
Protocolo de Cooperação para a Migração Laboral
A Nova “Via Verde” para Recrutamento de Trabalhadores Estrangeiros em Portugal
Introdução
No dia 1 de abril de 2025 entrou em vigor o Protocolo de Cooperação para a Migração Laboral Regulada, uma medida que visa agilizar e regularizar o processo de recrutamento de trabalhadores estrangeiros para o mercado de trabalho português.
Denominada informalmente como “Via Verde” para vistos laborais, esta iniciativa foi fruto de um acordo entre o Governo português e diversas confederações e associações empresariais.
O protocolo surge como resposta a problemas estruturais do mercado de trabalho em Portugal, nomeadamente a escassez de mão-de-obra em setores essenciais e a sobrecarga nos processos de regularização de imigrantes. Este artigo visa analisar, de forma detalhada e precisa, as implicações jurídicas e operacionais da nova regulamentação, destacando os principais compromissos das empresas, os requisitos legais para a adesão ao regime e as responsabilidades associadas.
Nos termos do protocolo, a apresentação de pedidos (individuais ou grupais) pode ocorrer a partir de 15 de abril de 2025 pelas entidades empresariais subscritoras originárias, e, pelas demais entidades empresariais, a partir do momento em que sua adesão ao presente protocolo for validada.
Contexto e Justificação para o Novo Regime
Portugal enfrenta uma escassez significativa de mão-de-obra em vários setores essenciais da economia, incluindo da agricultura, da construção civil, da pesca, do turismo e da indústria transformadora. Esta lacuna tem sido parcialmente preenchida por trabalhadores imigrantes, que desempenham funções cruciais e ocupam vagas de difícil preenchimento por parte da população nacional.
Contudo, o processo de regularização dos imigrantes tem estado sobrecarregado, particularmente após a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e a transição das suas competências para a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). A AIMA herdou um vasto número de processos pendentes, o que gerou um aumento significativo dos tempos de espera e da complexidade dos procedimentos.
Neste contexto, surge o Protocolo de Cooperação para a Migração Laboral Regulada, com o objetivo de melhorar a eficácia do recrutamento de trabalhadores estrangeiros, simplificando o processo de regularização e integração desses trabalhadores no mercado de trabalho português.
A “Via Verde” permite que as empresas portuguesas contratem diretamente trabalhadores estrangeiros nos seus países de origem, criando uma via mais ágil e transparente para a obtenção de vistos laborais.
Entidades Envolvidas no Protocolo de Cooperação
O protocolo foi formalizado entre o Governo português e diversas entidades do setor privado.
Do lado público, destacam-se as seguintes entidades:
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- Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas (DGACCP): Responsável pelo encaminhamento dos pedidos de visto e pela coordenação com os postos consulares.
- Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA): Responsável pela análise e emissão dos pareceres necessários à concessão dos vistos.
- Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP): Responsável pela verificação das qualificações dos trabalhadores e pela garantia de que as empresas cumprem as exigências legais.
- Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros do Sistema de Segurança Interna (UCFE/SSI): Responsável pela segurança e coordenação das operações de imigração.
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Por outro lado, no setor privado, diversas confederações e associações empresariais desempenham um papel crucial na implementação do protocolo, incluindo a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) e a Confederação do Turismo de Portugal (CTP).
Funcionamento da “Via Verde”
O principal objetivo da “Via Verde” é criar um processo de recrutamento e regularização de trabalhadores estrangeiros que seja mais célere, eficiente e seguro. Ao contrário dos modelos anteriores, onde os trabalhadores deviam primeiro entrar em Portugal e depois formalizar a sua situação, o novo regime permite que as empresas iniciem o recrutamento diretamente nos países de origem dos trabalhadores.
Etapas do Processo da “Via Verde”
O processo da “Via Verde” envolve várias etapas que garantem a eficiência e a legalidade do procedimento:
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- Submissão do Pedido pela Entidade Empregadora: A empresa interessada em contratar trabalhadores estrangeiros deve contactar a DGACCP, enviando todos os documentos exigidos, incluindo os contratos de trabalho válidos, a lista de trabalhadores a contratar (com nome completo, data de nascimento, número e validade de documento de viagem, nacionalidade, país de atual residência e endereço de email), bem como um termo de responsabilidade subscrito, nos termos do qual garanta a validade dos contratos de trabalho, bem como dos seguros de viagem e saúde.
- Encaminhamento para o Posto Consular Competente: O pedido é, no prazo de dois dias úteis, encaminhado para o posto consular português no país de origem do trabalhador, onde será agendada uma data para apresentação de documentos e entrevista.
- Análise da Documentação e Emissão de Pareceres: Após a entrega dos documentos, a AIMA e a UCFE analisam a conformidade dos pedidos e emitem os pareceres necessários, sendo que o primeiro desses órgãos terá um prazo de três dias úteis, enquanto o segundo disporá de até cinco dias úteis.
- Decisão Consular e Emissão do Visto: Com base na documentação e nos pareceres, o consulado português emite a decisão final e concede o visto, que deve ser entregue ao trabalhador no prazo máximo de 20 dias úteis a partir do dia do atendimento do requerente no posto consular.
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Requisitos Legais para Trabalhadores e Empresas
O sucesso do processo da “Via Verde” depende do cumprimento rigoroso dos requisitos legais tanto por parte das empresas como dos trabalhadores estrangeiros.
Documentação Exigida aos Trabalhadores
Os trabalhadores estrangeiros devem apresentar os seguintes documentos para que o visto seja concedido:
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- Passaporte válido.
- Número de Identificação Fiscal (NIF).
- Número de Identificação da Segurança Social (NISS), se já foi atribuído.
- Contrato de trabalho válido e devidamente registado.
- Seguro de saúde e seguro de viagem.
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Compromissos das Empresas
Para garantir o sucesso do processo, as empresas devem cumprir os seguintes compromissos legais e sociais, os quais são cruciais para assegurar a integração digna dos trabalhadores estrangeiros:
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- Garantir Contrato de Trabalho Legal e Registado: A empresa deve formalizar um contrato de trabalho (por tempo indeterminado ou com termo) de acordo com a legislação portuguesa, registando-o na Segurança Social.
- Disponibilizar Alojamento Condigno: A empresa deve assegurar que os trabalhadores tenham acesso a condições mínimas de alojamento, que garantam a sua segurança, saúde e bem-estar.
- Proporcionar Formação Profissional: A empresa tem a obrigação de proporcionar formação adequada aos trabalhadores estrangeiros para que possam desempenhar as suas funções de forma eficaz e eficiente.
- Assegurar Aulas de Língua Portuguesa: A empresa deve garantir que os trabalhadores estrangeiros tenham acesso a aulas de língua portuguesa, facilitando a sua integração no ambiente de trabalho e na sociedade portuguesa.
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Critérios para Adesão ao Regime
Para que as empresas possam aderir à “Via Verde” devem cumprir alguns critérios específicos, assegurando que possuam a capacidade administrativa e financeira para garantir a integração adequada dos trabalhadores.
Quem pode aderir à medida:
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- Confederações ou associações patronais e as confederações empresariais;
- Associações empresariais com pelo menos 30 associados e cujo volume de negócio dos seus associados seja igual ou superior a 200 milhões de euros anuais;
- Empresas que cumpram, cumulativamente, quatro requisitos:
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- empregarem diretamente 150 ou mais trabalhadores;
- terem um volume de negócios igual ou superior a 20 milhões de euros anuais;
- possuírem declaração de não dívida à Segurança Social e à Autoridade Tributária;
- possuírem um código de certidão permanente válido.
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Esses critérios visam garantir que as empresas participantes tenham a capacidade de cumprir com as exigências legais e de proporcionar condições adequadas aos trabalhadores.
Responsabilidades e Penalizações em Caso de Incumprimento
As empresas que aderem à “Via Verde” assumem responsabilidades legais significativas. O incumprimento das obrigações, como a falta de alojamento adequado ou a apresentação de documentação irregular, pode resultar em penalizações, incluindo a suspensão da participação da empresa no regime.
Se uma entidade empregadora não cumprir os compromissos assumidos no âmbito da “Via Verde” para a imigração poderá ser suspensa ou excluída do protocolo.
A AIMA tem até cinco dias úteis para atuar caso se verifique alguma ilegalidade e, como efeito, suspender a participação da empresa.
Dependendo da gravidade da infração, essa suspensão pode levar à exclusão definitiva do regime especial de contratação internacional.
Conclusão
O Protocolo de Cooperação para a Migração Laboral Regulada e a criação da “Via Verde” representam uma inovação importante no regime jurídico da imigração laboral em Portugal, oferecendo uma solução mais célere e eficaz para o recrutamento de trabalhadores estrangeiros. Contudo, o êxito desta medida dependerá da coordenação eficaz entre o Governo, as entidades envolvidas e as empresas participantes. Além disso, será fundamental garantir a fiscalização rigorosa para assegurar que os compromissos sociais e legais sejam cumpridos.
Em última análise, a “Via Verde” tem o potencial de fortalecer a economia portuguesa, ao mesmo tempo que promove uma imigração mais responsável e sustentável, onde os direitos dos trabalhadores estrangeiros são respeitados e as empresas conseguem recrutar a força de trabalho necessária de maneira eficiente e transparente.
Autoria de Ana Rita Nascimento (Coordenadora do Departamento de Direito Laboral e Segurança Social) e Franck Mattos (Advogado Associado do Departamento de Private Clients).