
Direitos do Consumidor: Crédito ao Consumo
Informação e recomendações para empresas/consumidores sobre crédito ao consumo
As regras sobre o crédito ao consumo encontram-se, por vezes, dispersas e a sua leitura e interpretação nem sempre é uma fácil tarefa, o que pouco se coaduna com a rapidez e intensidade das relações de consumo que se estabelecem durante o período que se inicia, previsivelmente, em novembro de cada ano, com a campanha da Black Friday, que se estende até janeiro do ano seguinte e que se dirá, termina com o fim do período de trocas das prendas de Natal.
Assim, e não obstante a eventual aplicação de normas decorrentes de outros diplomas legais, entre as quais se destaca, a Lei de Defesa do Consumidor, a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais e o Regime de Venda de Bens de Consumo, o recurso ao crédito pelo consumidor na compra de produtos convoca a aplicação de um conjunto de regras que devem ser articuladas com as anteriormente mencionadas.
De acordo com as normas atualmente em vigor e que decorrem do Decreto-lei n.º 133/2009, de 2 de junho (cuja última alteração ocorreu por força da Lei n.º 57/2020, de 28 de agosto), é considerado «crédito ao consumo», o contrato pelo qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartão de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento similar, cujo montante total de crédito se cifre entre € 200,00 e € 75.000,00 e em que o objeto não se destine à vida profissional ou à atividade comercial do consumidor.
CONCEITOS IMPORTANTES NA CONTRATAÇÃO DO CRÉDITO
No âmbito das conversações prévias à celebração de contratos de crédito recorre-se, frequentemente, a terminologia específica que poderá dificultar a compreensão das condições contratuais que estão a ser propostas e que poderão vir a ser aceites pelos consumidores. Por esta razão, é fundamental conhecer o significado de algumas expressões utilizadas neste contexto, entre as quais:
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- TAN – («taxa anual nominal») o que corresponde à taxa de juro anual aplicável sobre o montante do crédito contraído e que não deverá ser confundida com a TAEG, conforme se explica abaixo;
- TAEG – («taxa anual de encargos efetiva global») o custo total do crédito para o consumidor expresso em percentagem anual do montante total do crédito, acrescido, se for aplicável, dos custos relacionados com a manutenção da conta ou da utilização e funcionamento de meio de pagamento associado à utilização dos créditos e qualquer outro custo relativo à operação de pagamento;
- MTIC – («Montante total imputado ao consumidor») corresponde à soma do montante total do crédito e do custo total do crédito para o consumidor;
- MTC – («Montante total do crédito») o limite máximo ou total dos montantes disponibilizados pelo contrato de crédito;
- «Custo total do crédito para o consumidor» – valor que deve corresponder a todos os custos, incluindo juros, comissões, despesas, impostos e encargos de qualquer natureza ligados ao contrato de crédito que o consumidor deverá pagar, incluindo os custos decorrentes de serviços acessórios relativos ao contrato de crédito, em especial os prémios de seguro, desde que necessários para a obtenção de crédito em condições de mercado;
- FIN – («Ficha de Informação Normalizada») – trata-se de um documento padronizado com um modelo pré-definido, utilizado pelas várias instituições de crédito, com informação simplificada sobre o crédito a contratar, em termos de comparação normalizados, permitindo assim, de forma mais fácil, ao consumidor compreender as condições e a opção de crédito que mais se adeque às suas necessidades e situação financeira.
- Facilidade de descoberto (ou apenas «descoberto») – acordo pelo qual o credor permite ao consumidor dispor de fundos que excedem o saldo da sua conta de depósito à ordem;
- «Ultrapassagem do crédito» – quando se trate de um descoberto que é tacitamente aceite pelo credor e que permite assim ao consumidor dispor de fundos que excedem o saldo da sua conta de depósito à ordem ou da facilidade de descoberto acordada.
INFORMAÇÃO OBRIGATÓRIA AO CONSUMIDOR
Apesar de o consumidor dever solicitar os esclarecimentos que entenda necessários e pese embora estes possam ser obtidos junto da vendedora ou do intermediário de crédito, no âmbito da contratação de um crédito ao consumo existem determinas informações que devem ser transmitidas:
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- A identificação e o endereço do credor e, se aplicável, do intermediário de crédito envolvido;
- O tipo e o montante total do crédito e as condições de utilização do crédito;
- A duração do contrato de crédito;
- A taxa nominal, as condições aplicáveis a esta taxa e, quando disponíveis, quaisquer índices ou taxas de juro de referência relativos à taxa nominal inicial, bem como os períodos, as condições e os procedimentos de alteração da taxa de juro; em caso de aplicação de diferentes taxas nominais, em função das circunstâncias, as informações antes referidas sobre todas as taxas aplicáveis;
- A TAEG e o montante total imputado ao consumidor, ilustrada através de exemplo representativo que indique todos os elementos utilizados no cálculo desta taxa; se o contrato de crédito estipular diferentes formas de utilização com diferentes encargos ou taxas nominais deve indicar que o recurso a outros mecanismos de utilização para este tipo de acordo de crédito pode resultar numa TAEG mais elevada;
- O tipo, o montante, o número e a periodicidade dos pagamentos a efetuar pelo consumidor e, se for o caso, a ordem pela qual os pagamentos devem ser imputados aos diferentes saldos devedores a que se aplicam taxas de juro diferenciadas para efeitos de reembolso;
- Os encargos relativos à manutenção de uma ou mais contas para registar simultaneamente operações de pagamento e de utilização do crédito e quaisquer outros encargos decorrentes do contrato de crédito e as condições em que esses encargos podem ser alterados;
- Os custos notariais a pagar pelo consumidor pela celebração do contrato de crédito, se for o caso;
- A eventual obrigação de celebrar um contrato acessório ligado ao contrato de crédito, nomeadamente um contrato de seguro, se a celebração de tal contrato for obrigatória para a obtenção do crédito ou para a obtenção do crédito nas condições oferecidas;
- A taxa de juros de mora, bem como as regras para a respetiva adaptação e, se for caso disso, os encargos devidos em caso de incumprimento; consequências da falta de pagamento;
- As garantias exigidas, se for o caso;
- O direito de reembolso antecipado e, se for o caso, as informações sobre o direito do credor a uma comissão de reembolso antecipado e a forma de a determinar, nos termos do artigo 19.º;
E por fim,
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- A existência do direito de livre revogação pelo consumidor – este dever de informação ao consumidor relativo ao direito de arrependimento ou de retratação será tratado separadamente.
Em qualquer caso, salienta-se o dever de o intermediário de crédito esclarecer de modo adequado o consumidor, por forma a colocá-lo em posição que lhe permita avaliar se o contrato de crédito proposto se adapta às suas necessidades e à sua situação financeira, cabendo ao intermediário financeiro fornecer as informações pré-contratuais previstas neste ponto, explicitar as características essenciais dos produtos propostos, bem como descrever os efeitos específicos deles decorrentes para o consumidor, incluindo as consequências da respetiva falta de pagamento.
POSSIBILIDADE DE ANTECIPAÇÃO DO CUMPRIMENTO
Como regra geral, o mutuário pode antecipar o pagamento desde que satisfaça os juros por inteiro (artigo 1147.º do Código Civil), porém, no crédito ao consumo, o consumidor deve ser advertido da possibilidade de reembolso antecipado e da obrigação de pagamento da comissão de reembolso antecipado que lhe é aplicável. O consumidor tem o direito de, a qualquer momento, mediante pré-aviso com antecedência de pelo menos 30 dias, cumprir antecipadamente, parcial ou totalmente, o contrato de crédito, com correspondente redução do custo total do crédito, por via da redução dos juros e dos encargos do período remanescente do contrato. Esta comunicação deverá ser efetuada por escrito em suporte duradouro, recomendando-se a sua conservação e arquivo em face da dificuldade paradigmática na demonstração da entrega da comunicação em causa.
A compensação do credor deverá ser justa e objetiva, que decorra dos custos diretamente relacionados com o reembolso antecipado, não podendo exceder 0,5% do montante do capital reembolsado (0,25%, se o mencionado período for inferior ou igual a um ano). A comissão de reembolso não é exigível nos casos de facilidades de descoberto ou se o reembolso ocorrer num período em que a taxa nominal aplicável fosse variável. Em nenhum caso poderá a comissão exceder o montante dos juros que o consumidor teria de pagar durante o período decorrido entre o reembolso antecipado e a data estipulada para o termo do período de taxa fixa do contrato de crédito.
LIMITES DE JUROS E ENCARGOS ADICIONAIS
A taxa de juro cobrada aos consumidores poderá ser:
- fixa – a taxa de juro mantém-se constante durante o contrato permitindo que o consumidor conheça, desde a celebração do contrato, o montante total de juros a pagar até ao termo do contrato;
- variável – a taxa de juro aplicada sobre o capital é revista com a periodicidade correspondente à do indexante aplicável ao contrato (taxa de juro de referência);
As taxas de juro aplicáveis aos contratos de crédito ao consumo estão sujeitas a determinados limites. Deste modo, são considerados usurários os contratos de crédito cuja TAEG, na data da celebração do contrato, exceda em ¼ a média das TAEG praticadas pelas instituições de crédito no trimestre anterior, para cada tipo de contrato de crédito aos consumidores ou exceda em 50% a média das TAEG dos contratos de crédito aos consumidores celebrados no trimestre anterior. Uma vez ultrapassados aqueles limites, a lei determina a redução da taxa de juro que lhes é aplicável, impondo desta forma o cumprimento dos limites legais.
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO DE CRÉDITO PELO CONSUMIDOR
Nem todo o incumprimento imputável ao consumidor é motivo suficiente para a resolução do contrato e exigibilidade do pagamento de todas as prestações vencidas e vincendas é necessário verificar-se cumulativamente: a falta de pagamento de duas prestações sucessivas que excedam, no seu conjunto, 10% do montante total do crédito e que seja concedido um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, com a expressa advertência da consequência da falta de pagamento, isto é, com menção aos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.
A falta de verificação destas duas condições impede que seja exigido ao consumidor o pagamento da totalidade dos valores em dívida, bem como, das penalizações contratuais que se encontrem previstas, podendo recusar-se ao pagamento e satisfazer apenas as prestações já vencidas.
DIREITO AO ARREPENDIMENTO (DIREITO DE RETRATAÇÃO)
Nos contratos de crédito ao consumo, o dever de informar o consumidor sobre o seu direito ao arrependimento é fundamental e visa, essencialmente, instruir o consumidor e assim possibilitar, de forma efetiva, o exercício do direito de retratação do consumidor, ou seja, a possibilidade de o consumidor poder revogar unilateralmente o contrato de crédito, sem que tenha de apresentar um motivo ou fundamento que o justifique. Este direito deve ser exercido no prazo de 14 dias contados (i) desde a data de celebração do contrato ou (ii) desde a data de receção pelo consumidor do exemplar do contrato e do conjunto de informações que o contrato deve especificar obrigatoriamente.
Salienta-se que a falta de informação quanto à existência e possibilidade de exercício deste direito pelo consumidor poderá resultar na extensão do período de arrependimento, pois, em rigor, o prazo de 14 dias apenas se iniciará quando essa informação for transmitida ao consumidor.